quinta-feira, 2 de julho de 2009

Balada Beat


Agora eu ando pelas ruas de um Gonzaga imaginário.

Volto a não ter nada como nas antigas madrugadas

Apaixonadas, em que caminhava protegido

Por um velho guarda chuva e por coturnos

Um número maior do que meus pés.

Pela alameda que ladeava o canal

Deserto e molhado, em pleno mal secreto.

Procurava alguma coisa dentro de mim, não fora

E caminhar era só um eco da batida do meu jovem coração.

Ia até a praia escura sem lua e sem a luz nojenta

Que o medo e a cretinice fizeram os prefeitinhos instalar.

Medo dos assaltos e das fodas que quebravam a rotina à beira-mar.

Andava até onde as ondas começavam a invadir a amurada,

Minha passarela úmida, e lá parava olhando o longo mar.

Ouvindo seu barulho que apagava o som dos carros

Que cruzavam a avenida àquela hora.

Às vezes ouvia um Bob Dylan, antes de partir

Nas baladas solitárias, Lay Lady Lay, levava

No espírito esse estado de poesia.

Depois dava às costas para o mar com suas ondas que saíam do nada

E vinham brilhantes, roubando qualquer luz que pudessem no caminho,

Para se acabar na areia escura. De cócoras, sob a sombra do enorme

Guarda-chuva de meu pai, mesclava-me na noite molhada,

Escondia-me como um caramujo em sua casca,

Protegido de qualquer olhar,

No esconderijo de sombra que inventei.

Abrigado, espiando a luz dos prédios altos, rodopiava

Sempre de cócoras, sobre a base sólida dos coturnos militares,

Meu pedestal no qual, eu, estátua camuflada,

Espionava o mundo adulto, o mar escuro.

Sempre este antigo prazer que me acompanhou a vida toda

O de poder, estrategicamente, ver sem ser visto: sentinela de mim mesmo.

Depois voltava, lentamente pelo caminho das alamedas iluminadas

Vendo as antigas, enormes e lindas árvores

Refletidas nas águas lodosas do canal.

Andava então por ruas transversais, circundava quarteirões, e voltava

Sempre e cada vez à linha mestra, rota, rua,

Canal e trilho do meu louco e desatinado trem.

Depois parava embaixo do prédio onde no alto uma menina

Fútil e linda, por quem eu era loucamente apaixonado, dormia há horas.

Lá embaixo olhava, olhava muito tempo para cima,

Para o inalcançável amor. Depois partia

Ansiando que outro dia rapidamente chegasse e eu

Pudesse ir vê-la nos locais que freqüentava

E me esnobava. Eu nada sabia do desejo que me arrastava pela

Coleira, que todo apaixonado usa, como um cão.

E continuava a andar por horas sem nada entender do que se passava comigo,

Nem quem eu era,

Porque havia perdido o controle de mim mesmo.

E nunca antes a fronteira adolescência e idade adulta

Foram tão difusas e confusas.


Agora eu ando por um Gonzaga imaginário

Mais uma vez absolutamente solitário,

Rodado como um velho táxi onde amigos incríveis viajaram,

Onde namoradas e malucas malharam, fumaram e gozaram

Como buzinas no rush do planeta.

Levo no porta luvas, todos os mapas que nunca abri

E todos os livros de poesia que li, reli e elegi.

E o meu rádio irradia a melhor música:

Meu pão, meu pau, meu sal.

Na lataria de baixa qualidade, musgos e marcas

De pequenas maldades, alegrias,

Deselegâncias, insights fulminantes, alergias.

Agora se misturam em meus olhos multifocais

Os locais que existem e os que não existem mais.

Ando à toa, sem buscar nada, nenhum prédio

Que esconda a sensação terrível e inesquecível da paixão.

Vou levado por um velho e calejado coração

Que vadia calmamente sem dono,

Novamente como um cão,

Sem eira nem beira,

Nem coleira.




junho 2003.

Nenhum comentário: