sábado, 17 de outubro de 2009

"Gran Torino"

Clint Eastwood - foto Annie Leibovitz
Um bom filme é aquele que fica na cabeça depois da pizza, depois de acordar e pensar na vida, no trabalho. Ele ressurge em meio à rotina. Os replays de cenas inteiras se repetem algumas vezes durante o dia. Detalhes ganham significado.
Um bom filme nos marca como uma aula de um grande professor, uma conversa esclarecedora com um amigo inteligente. Uma forte emoção, um insight.
Gran Torino não foi um filme que me programei para ver. Não fiquei na expectativa de vê-lo, não esperei que entrasse em cartaz. Assisti em um telecine da vida, em uma noite de semana.
Clint Eastwood, é um dos grandes nomes do cinema americano já há muitos anos. Um diretor que conhece absolutamente tudo de seu ofício. Não é qualquer um que realiza Bird, ou Garota de Ouro. No entanto, Clint sempre foi no mínimo menosprezado pelos cinéfilos de minha geração. A geração que vem dos anos de ouro do cinema autoral europeu.
Quem ficou preso à idéia do machão cowboy com sua pistola de John Holmes, digo Dirty Harry perdeu a oportunidade de assistir a uma coisa rara: a transformação, a metamorfose genial de um ator comum em um grande ator. Um senhor ator.
Clint é o roteirista, o compositor do tema principal, dirige e atua em Gran Torino, filme que após dois dias assistido, me acorda, fica comigo, me instiga. Mostra-se imprescindível.
Entra aqui a velha frase chavão: um grande retrato da América. Ponto.
Da América atual que foi invadida e transformada pelos imigrantes de todas as etnias, crenças e culturas. Pelas mesmas raças contra quem os americanos saíram de suas vidas de alto padrão para enfrentar nas selvas asiáticas.
Gran Torino é um fabuloso enfoque sobre uma América em transformação. Uma América repensando seus atos, seus erros e acertos. Seus motivos de orgulho e vergonha. Suas guerras, que fazem parte da cultura do império como as copas do mundo fazem da nossa.
Mas o filme de Clint Eastwood é mais do que isso, é também o retrato da transformação da visão de mundo de um homem. Um homem que chegou em uma idade em que faria parte da roda dos notáveis, em antigas culturas. Um homem que viu a vida de cima de seus muitos anos. Viu muito, viveu muito.Cheio de cicatrizes na carne e na alma. Rodeado de netos e fantasmas.
É uma visão absolutamente masculina da vida. Máscula com fortes traços de machismo, mas sem sucumbir a ele. Transformando-se, atravessando o machismo herdado e vivido durante tantas décadas para superá-lo e atingir o respeito, compaixão e fraternidade com o ser humano, independente de sexo e origem.
É um filme estranhamente cristão. Muito cristão. A cena da crucificação é antológica e emblemática.
Um filme com uma mensagem de fundo moral tão explícito que se torna impressionante que não seja chato. Que tenha um final inteligente e surpreendente como um grande suspense.
A mensagem bate de frente com a maioria esmagadora das produções americanas onde o heroísmo vem da habilidade individual. Não. Um não redundante a isso vem do ator e diretor que durante mais de metade de sua vida glorificou o herói macho e implacável que vence a tudo e a todos graças a sua destreza, força e impiedade.
A única saída para essa sociedade ensandecida está na civilização, nos diz ele. A ordem, a justiça dos homens é a única maneira de escaparmos da volta à barbárie.
Esse é o recado do senhor Clint Eastwood.
Gran Torino, não será nunca um filme de que me lembrarei como os de um Bergman, Fellini, Almodóvar ou um Truffaut. É uma outra coisa, uma outra visão, Absolutamente autoral, mas distinta de todo cinema europeu.
Uma visão tão americana e máscula que se mostra universal e dirigida a todos os sexos.
A visão de um homem que gostaríamos que fosse nosso avô. Que conversaria conosco um dia, debaixo de uma árvore, despretensiosamente e muitos anos depois perceberíamos que aquela foi a conversa de uma vida.
A chave foi passada para a outra geração. Com todo amor que houver nessa vida, como diria o poeta.
De maneira simples e direta, como um bom marceneiro faria uma porta.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009


Arnaldo Antunes e Gilberto Mendes - O primeiro encontro entre Gilberto e Arnaldo que tem grande admiração por ele. Gilberto um dos mais importantes artistas da vanguarda brasileira, e na música o seu maior expoente. Sua obra é a cada dia mais reconhecida no mundo inteiro. Aos oitenta e sete anos, continua a produzir, compor, escrever sua autobiografia musical, como ele mesmo a chama, pela qual foi indicado ao prêmio Jabuti este ano. A idade não o impede de ir e curtir todos os eventos que julga enriquecedores e importantes. Gilberto é jóia rara, um brasileiro na estatura de um Nelson Freire dentro da música contemporânea mundial. Adorei fotografar esse primeiro encontro entre ele e Arnaldo, músico, poeta, artista multimídia, que também admiro.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Tarrafa Literária em Santos - Grã Finale!



Esse é Theo Roos, filósofo, músico, cineasta e documentarista. A figura mais feliz do Tarrafa Literária. Theo é um cara de uma simpatia contagiante, um astral solar.Ele é a mais pura expressão da frase do Vinicius "Amigo a gente não conhece, reconhece". Na noite do encerramento do 1º Encontro Internacional Literário de Santos, ele recebeu um presente especial do destino.
Fomos todos para uma casa de samba no centro velho de Santos. Não me lembro agora o nome da casa nem do conjunto que se apresentava, mas era muito bom. O cara do cavaquinho se sobresaia, músico de primeira linha. O samba comendo solto, cerveja e infalível caipirinha na roda e Theo viajando forte. O ambiente de casarão antigo com pé direito alto, e varanda com três portas-janelas dando para a rua, no primeiro andar. Tipo Estudantina no Rio. Nisso entra um cara magrinho, todo chinfroso, cumprimenta os músicos e começa a dançar a melhor gafieira que já vi na vida com várias parceiras que o disputavam. Um artista absoluto. Coisa de não se acreditar. Theo já filmando parecia que ia explodir de felicidade. Falei para ele que aquela era a melhor expressão da arte-vida, que ele defendera na palestra. O conceito de levar seu cotidiano como forma de arte.
Ele tentava sambar, com seu um metro e noventa de maneira tão feliz que seu desajeitamento provocava a simpatia dos presentes. O ambiente era puro cinema, lembrava Cuba, um documentário do Win Wenders.
Quando o conjunto finalmente parou e íamos nos retirando, a luz acabou. Black out total, só a luz da rua entrando pelas portas-janelas iluminava um pouco o grande salão.
Então os músicos que já estavam indo para o descanso, voltaram e atacaram no acústico. Todos abandonaram as mesas e se aproximaram. Durante meia hora cantaram junto com os músicos, acompanhando com palmas e danças, como em um antigo terreiro de samba. Foi de chorar. Uma coisa única que não estava no script e que dificilmente se repetirá. O Terreiro de Tia Ciata reviveu para iluminar um alemão que levou um Brasil que canta e é feliz dentro de seu peito. Não acredito em coincidências. Foi um presente absolutamente merecido. Para ele e para nós que trabalhamos muito e vimos nascer esse evento lindo e de utilidade social total. A famosa Chave de Ouro.
Obrigado aos orixás da arte.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Diário de viagem


Definitivamente Budapeste é um livro e não um filme.
O que fica após duas cumpridas horas no cinema são algumas boas frases e a idéia de que entender profundamente um idioma estrangeiro é realmente ganhar uma nova cidadania.
A palavra é o povo.


Encontro com escritores que pretendem carregar a poesia pela vida como imagem de virgem no andor em procissão.
Outros a carregam como o frango do Nelson Cavaquinho.
Em uma história mais saborosa que qualquer penosa, a mulher de Nelson contava o episódio em que incumbido de comprar o almoço de sábado, saiu às dez da manhã e retornou na segunda por volta do mesmo horário.
Voltou um trapo,vindo de animadíssimos pés sujos e quem sabe de que quartos suspeitos.
Amarrotado, cheirando azedo, já na abissal ressaca avançou portãozinho adentro com cara de cachorro ladrão, segurando a ave meio apodrecida como um troféu, como um álibi. Foi seguido por um verdadeiro amigo, um fiel escudeiro de orgia que implorou à esposa do poeta: - Não briga com o Nelson, não. Você não sabe o que ele fez para chegar com esse frango em casa, até correr atrás de bonde onde o havia esquecido, ele correu!
Estou mais para Nelson que para sacristão.
A poesia não nasce para revestir seu autor de respeitabilidade e status social.
A poesia é o alimento debaixo do braço, do suvaco suado, enquanto a vida nos vive em suas corredeiras.
A vida é uma ladeira.


A velhice cada vez me assusta mais. Não a minha que chega aos poucos, como quem não quer nada, disfarçando.
Chega como aquele hóspede, mansinho, humilde, se desculpando pelo incômodo, mas que se aboleta na casa e quer dominá-la, apossar-se dela toda, mais cedo ou mais tarde.
Ela me assusta e horroriza por vê-la devastando aos que amo.
Arranca as rodas.
Para alguns poucos, alguns raros, restam as asas.


A pizza de boteco é uma instituição e certos bares tinham que ser tombados como patrimônio da humanidade que habita aquele bairro.
Um bom boteco tem sempre um bicheiro de plantão, um garçom tão antigo como a casa e clientes que podem ter o DNA de seu cotovelo encontrado no balcão.
Saber que a cerveja é inesgotável enche um homem de confiança no planeta.


O provincianismo é como o tempero imutável de certos pratos no almoço de domingo com a família.


Gilberto Mendes e Eliane agora tem uma cadela que come em sua mesa e dorme no seu quarto. Chama-se Mel e tomou conta da casa como fazem os espertos cachorrinhos.
Um filho ou uma filha peluda alegra a vida, faz a ponte entre nossas estressadas existências com o mundo sem pecado e sem perdão da natureza.
No final somos nós que abanamos o rabo para aquele nariz molhado, aquele amor tão sincero.


Durante o progrma de rádio "Quatro Ases e Um Coringa", no intervalo com os microfones desligados, entrevistados e entrevistadores, discorrem sobre os pepézinhos e os pepézões das grandes cantoras.
Os pés da Badi Assad são lembrados, como seres autônomos, despidos, que dançam como tuaregues, com a mesma lascívia selvagem em volta da fogueira no deserto, sob a lua.
Os de Diana Krall, sabem todos os truques da sedução civilizada. Nova-iorquinos, entronizados em saltos sete e meio, fabricam sonhos nos pedais de seu Steinway.
Dançam em salões utópicos e repousam banhando-se em cascatas de champanhe.


Foi reconhecido em uma discussão cultural de altos e baixos que o advento da segmentação literária de conformidade com a orientação sexual dos autores é uma curiosa realidade.
Por alguns foi considerado inaceitável que as Escritoras Lésbicas ganhem um espaço especial em uma feira literária e os Escritores Punheteiros não recebam os mesmos privilégios.
Abaixo a discriminação para o Quarto Sexo.


Os vendedores de Santos: um super plugado e eficiente em uma loja de tênis, uma anta letárgica em uma loja de instrumentos musicais, uma toupeira néscia tentando digitar um autor que desconhece no computador da livraria.
Fatos isolados ou o retrato de uma época?

Minério

Meu amor não é animal,
É mineral.
Desaparece no tempo,
Lento e solitário.
Minério,
Mergulha no rio do sangue:
Imerso,
Imenso e alucinado.
No lado escuro da lua.
Pérola na noite da concha.
Calado atravessa o tempo.
Calendários caem no lixo
E ele segue inalterado.
Como uma pedra rolando,
Meteoro abandonado.
Trem bala sem passageiro
Ou metrô desabitado.
Submarino, secreto.
Adormecido naufrágio
Que emerge como relâmpago.
A consciência: uma praia.
Algum som o trouxe à tona.
Algum gesto, riso, cheiro...
Algum sonho já sonhado.


s/d.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Balada Beat


Agora eu ando pelas ruas de um Gonzaga imaginário.

Volto a não ter nada como nas antigas madrugadas

Apaixonadas, em que caminhava protegido

Por um velho guarda chuva e por coturnos

Um número maior do que meus pés.

Pela alameda que ladeava o canal

Deserto e molhado, em pleno mal secreto.

Procurava alguma coisa dentro de mim, não fora

E caminhar era só um eco da batida do meu jovem coração.

Ia até a praia escura sem lua e sem a luz nojenta

Que o medo e a cretinice fizeram os prefeitinhos instalar.

Medo dos assaltos e das fodas que quebravam a rotina à beira-mar.

Andava até onde as ondas começavam a invadir a amurada,

Minha passarela úmida, e lá parava olhando o longo mar.

Ouvindo seu barulho que apagava o som dos carros

Que cruzavam a avenida àquela hora.

Às vezes ouvia um Bob Dylan, antes de partir

Nas baladas solitárias, Lay Lady Lay, levava

No espírito esse estado de poesia.

Depois dava às costas para o mar com suas ondas que saíam do nada

E vinham brilhantes, roubando qualquer luz que pudessem no caminho,

Para se acabar na areia escura. De cócoras, sob a sombra do enorme

Guarda-chuva de meu pai, mesclava-me na noite molhada,

Escondia-me como um caramujo em sua casca,

Protegido de qualquer olhar,

No esconderijo de sombra que inventei.

Abrigado, espiando a luz dos prédios altos, rodopiava

Sempre de cócoras, sobre a base sólida dos coturnos militares,

Meu pedestal no qual, eu, estátua camuflada,

Espionava o mundo adulto, o mar escuro.

Sempre este antigo prazer que me acompanhou a vida toda

O de poder, estrategicamente, ver sem ser visto: sentinela de mim mesmo.

Depois voltava, lentamente pelo caminho das alamedas iluminadas

Vendo as antigas, enormes e lindas árvores

Refletidas nas águas lodosas do canal.

Andava então por ruas transversais, circundava quarteirões, e voltava

Sempre e cada vez à linha mestra, rota, rua,

Canal e trilho do meu louco e desatinado trem.

Depois parava embaixo do prédio onde no alto uma menina

Fútil e linda, por quem eu era loucamente apaixonado, dormia há horas.

Lá embaixo olhava, olhava muito tempo para cima,

Para o inalcançável amor. Depois partia

Ansiando que outro dia rapidamente chegasse e eu

Pudesse ir vê-la nos locais que freqüentava

E me esnobava. Eu nada sabia do desejo que me arrastava pela

Coleira, que todo apaixonado usa, como um cão.

E continuava a andar por horas sem nada entender do que se passava comigo,

Nem quem eu era,

Porque havia perdido o controle de mim mesmo.

E nunca antes a fronteira adolescência e idade adulta

Foram tão difusas e confusas.


Agora eu ando por um Gonzaga imaginário

Mais uma vez absolutamente solitário,

Rodado como um velho táxi onde amigos incríveis viajaram,

Onde namoradas e malucas malharam, fumaram e gozaram

Como buzinas no rush do planeta.

Levo no porta luvas, todos os mapas que nunca abri

E todos os livros de poesia que li, reli e elegi.

E o meu rádio irradia a melhor música:

Meu pão, meu pau, meu sal.

Na lataria de baixa qualidade, musgos e marcas

De pequenas maldades, alegrias,

Deselegâncias, insights fulminantes, alergias.

Agora se misturam em meus olhos multifocais

Os locais que existem e os que não existem mais.

Ando à toa, sem buscar nada, nenhum prédio

Que esconda a sensação terrível e inesquecível da paixão.

Vou levado por um velho e calejado coração

Que vadia calmamente sem dono,

Novamente como um cão,

Sem eira nem beira,

Nem coleira.




junho 2003.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Poemas que Fugiram da Gaveta

No início dos anos oitenta com mais dois amigos pretendi publicar um pequeno livro de poesias. O eterno problema não deixou que a intenção se concretizasse: quando um tinha grana os outros não, e assim sucessivamente. Talvez a vontade não fosse tanta, o fato é que a idéia de publicar foi posta de lado.
Mas eis que agora os poemas se rebelam, fogem da gaveta, o escuro túmulo da palavra.
Ganham o mundo na versão virtual, muito mais prática, pois se o leitor quiser imprimi-los é só apertar um botão. Querendo dividi-los com um amigo é só “Encaminhar Para” e no triste caso de acharem que a gaveta deveria estar é trancada à chave, a tecla Del estará sempre à disposição.
A versão virtual torna o ato de desfazer-se de um livro muito mais civilizado e polido do que defenestrá-lo, atirá-lo na lata do lixo (motivo pelo qual algumas tranqueiras permanecem ocupando lugar em nossas estantes para sempre).
Outra vantagem é que diversamente do impresso não precisa ser considerado pronto, terminado. Pode modificar-se ganhando novos poemas, talvez uma capa, mesmo já estando na rua, nas telas.
Gostaria de poder remetê-los para serem ouvidos. Creio que os poemas em sua grande maioria foram escritos para serem lidos em voz alta. Devem soar. Com a exceção dos absolutamente gráficos é sobre o alicerce da voz é que a poesia ganha vida. Além do que, alguns timbres são tão gostosos aos sentidos como os de um saxofone ou violoncelo.
O ritmo, (filho ou pai do Tempo?) sempre foi umas das minhas obsessões. Meu relógio de pulso é um metrônomo.
Aqui estão reunidos poemas bissextos escritos desde os anos 70, como Paloma Hermana, nascido em Sampa, até Balada Beat de 2003, quando.no quintal da Mata Atlântica, saio pelas madrugadas viajando pelo mundo através da net, mas vou sempre parar é na casa dos amigos, meu abrigo.
Para eles estes poemas são dedicados.

sábado, 23 de maio de 2009

O Meu Aleph

para Borges


Vi o interior das conchas,
Que forravam praias inteiras,
No litoral paulista.
Vi os instrumentos de tortura,
Tão inúteis na arte de eliminar idéias.
Também vi os instrumentos musicais
Das aldeias ainda não descobertas
No coração da selva amazônica.
Vi suas festas, sua repugnante comida
E as tintas tão belas com que se transformam
Em seres mais coloridos do que os pássaros.
Vi todos os pássaros.
Vi as celas dos homens
Que atravessam a vida em plena ascese.
Os iogues perfeitos em samadhi.
Vi os Budas e os bordéis.
Todas as acrobacias sexuais,
Todas as lascívias.
Vi a maquiagem pesada daquelas mulheres,
Seu falso orgasmo
E sua incurável solidão.
Vi dois adolescentes transfigurados pelo amor.

Vi um peso raro de cristal,
Rolar de uma antiga escrivaninha,
Para no chão se espatifar em centenas de fragmentos,
Como uma estrela explodindo.
Rosebud!
Vi Cidadão Kane e todos os filmes.
Vi a surpresa dos que nascem
E dos que morrem bruscamente.
Vi sua lenta decomposição até o nada.
Vi o sol que são os olhos das pálidas parturientes.
Vi vergonha, estupros e dor
Disseminados pelo mundo.
Vi todos os bailes do planeta.
Todos os músculos do corpo expandindo-se
Nos esportes.
Vi a secretíssima biblioteca do Vaticano.
Vi os abrigos antinucleares.
Os desertos e suas serpentes.
A alegria dos que chegam ao oásis.
A lua sobre o caravanserai.
Vi um preso que há dias da execução
Sorria em seu sonho, na prisão.
Vi os escritores atravessando madrugadas,
Febris, em seu ofício solitário.
Vi mulheres magníficas.
Pérolas. Venenos que fulminam
Sem deixar seu traço.
Vi o universo absurdo dos insetos.
Ursos polares. Águias.
Panteras escondidas na folhagem.
Vi meu filho e o filho de meu filho
Enfeitando a minha lápide
Com uma flor vermelha.
Depois não vi mais nada.




s/d.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Hai Kai

A folha cai


Trazendo o outono


O vento vai

Chat S.M

Nos encontramos em um lugar escuro,

E entre nossa curiosidade e ânsia,

Havia um muro

De desconhecimento e desconfiança.

Era uma espécie de inferno

Aquela sala

Onde queimavam

Falas, falos,

Parceiros incompletos.

Na cegueira que a todos atingia

As imagens sensuais, infames

E perversas, prosseguiam

Como um cachorro louco

Servindo de guia.

As mentiras eram

Iscas vivas

Em um tanque onde

As águas turvas

Escondiam na merda e creolina,

Possíveis turmalinas.

Onde mulheres velhas se passavam por meninas.

Onde impotentes se faziam garanhões.

Através da longa madrugada,

Nos dedos atolados no teclado,

O tato ausente,

Solidão.

Na tela hipnotizante e clara,

A cela rara

Onde os desejos latiam enjaulados,

Na ilusão do lado a lado,

De acabar a besta busca,

Achar um porto na alegria,

Saciar a fome louca

Que nunca se sacia.






2001.