sábado, 23 de maio de 2009

O Meu Aleph

para Borges


Vi o interior das conchas,
Que forravam praias inteiras,
No litoral paulista.
Vi os instrumentos de tortura,
Tão inúteis na arte de eliminar idéias.
Também vi os instrumentos musicais
Das aldeias ainda não descobertas
No coração da selva amazônica.
Vi suas festas, sua repugnante comida
E as tintas tão belas com que se transformam
Em seres mais coloridos do que os pássaros.
Vi todos os pássaros.
Vi as celas dos homens
Que atravessam a vida em plena ascese.
Os iogues perfeitos em samadhi.
Vi os Budas e os bordéis.
Todas as acrobacias sexuais,
Todas as lascívias.
Vi a maquiagem pesada daquelas mulheres,
Seu falso orgasmo
E sua incurável solidão.
Vi dois adolescentes transfigurados pelo amor.

Vi um peso raro de cristal,
Rolar de uma antiga escrivaninha,
Para no chão se espatifar em centenas de fragmentos,
Como uma estrela explodindo.
Rosebud!
Vi Cidadão Kane e todos os filmes.
Vi a surpresa dos que nascem
E dos que morrem bruscamente.
Vi sua lenta decomposição até o nada.
Vi o sol que são os olhos das pálidas parturientes.
Vi vergonha, estupros e dor
Disseminados pelo mundo.
Vi todos os bailes do planeta.
Todos os músculos do corpo expandindo-se
Nos esportes.
Vi a secretíssima biblioteca do Vaticano.
Vi os abrigos antinucleares.
Os desertos e suas serpentes.
A alegria dos que chegam ao oásis.
A lua sobre o caravanserai.
Vi um preso que há dias da execução
Sorria em seu sonho, na prisão.
Vi os escritores atravessando madrugadas,
Febris, em seu ofício solitário.
Vi mulheres magníficas.
Pérolas. Venenos que fulminam
Sem deixar seu traço.
Vi o universo absurdo dos insetos.
Ursos polares. Águias.
Panteras escondidas na folhagem.
Vi meu filho e o filho de meu filho
Enfeitando a minha lápide
Com uma flor vermelha.
Depois não vi mais nada.




s/d.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Hai Kai

A folha cai


Trazendo o outono


O vento vai

Chat S.M

Nos encontramos em um lugar escuro,

E entre nossa curiosidade e ânsia,

Havia um muro

De desconhecimento e desconfiança.

Era uma espécie de inferno

Aquela sala

Onde queimavam

Falas, falos,

Parceiros incompletos.

Na cegueira que a todos atingia

As imagens sensuais, infames

E perversas, prosseguiam

Como um cachorro louco

Servindo de guia.

As mentiras eram

Iscas vivas

Em um tanque onde

As águas turvas

Escondiam na merda e creolina,

Possíveis turmalinas.

Onde mulheres velhas se passavam por meninas.

Onde impotentes se faziam garanhões.

Através da longa madrugada,

Nos dedos atolados no teclado,

O tato ausente,

Solidão.

Na tela hipnotizante e clara,

A cela rara

Onde os desejos latiam enjaulados,

Na ilusão do lado a lado,

De acabar a besta busca,

Achar um porto na alegria,

Saciar a fome louca

Que nunca se sacia.






2001.