sexta-feira, 8 de junho de 2007

Para um amigo em Berlim


Acordo e leio Drumond em voz alta, sentado na varanda. Mesmo sozinho a poesia pede o alicerce da voz para erguer-se, criar vida e esvoaçar sobre o quintal junto com as enormes borboletas azuis que vêm comer as pitangas que caíram do pé sobre a grama.
Das palavras surge um Brasil ancestral que tem gestos de avô. Sabor de família com suas maluquices, de uma tia destrambelhada, de uma avó que rezava o dia inteiro e em seus chinelos gastos arrastava a aflição esclerosada que tentava exorcizar com seus pobres mantras caseiros: Ai meu menininho Jesus! Ai, minha Virgem Maria... E mesmo em sua aflição sua figura era doce como um leitinho morno.
Como podem entender a gente aí fora? Quando lhe perguntarem não responda não, dê um sorriso enviesado, dê de ombros e de leve puxe outro assunto. Como explicar a calma preguiçosa que vem dos quintais com casas de varandas esparramadas de onde o moleque acompanha as formigas carregando os restos da aranha nas sombras das samambaias?
Esses pés de bananeira com o Tiê comendo, arisco? Outro dia um gringo achou que eu havia criado a cor do Tiê no computador.
A chuva cai fininha sobre a mata e uma friagem fora de época se instala. Ponho a touca de lã feita pela Jane e volto para a varanda. Lá dentro está bem quente, mas aqui fora é mais bonito. A neblina envolve o morro e os guapuruvus em flor. Como desviar os olhos daquele buquê amarelo que surge no meio da mata? Com as orelhas aquecidas, penso que essa touca feita a mão não se compra nas lojas mais finas desta velha Europa, nem em nenhum shopping deste mundão besta e globalizado. Vamos globalizar o carinho de uma mulher nos tecendo uma touca de lã? Seria tão bom. Mas as mulheres globalizadas dirão que é machismo. Imagine... é só um gesto de amor, brasileiríssimo e pensando nisso, já não tenho as orelhas e os cabelos aquecidos.O coração também fica. Aliás, comovido como o diabo, continuo lendo o poeta desse Brasil que ainda resiste em milhões de cidadezinhas, vilarejos, gente e lugares que ficaram (graças a Deus) do lado de fora dos Shoppings, e deste golpe do vigário que o consumismo nos aplica.
É engraçado que fui tão insistente para que você viajasse para aí, mas ontem conversando contigo fiquei muito preocupado quando você disse que não queria saber mais da palavra saudade, essa coisa de brasileiro. Depois pensei: claro que essa era uma defesa contra ela, a saudade, que já deve ser grande. Isso é o melhor de nós, esse sentimentalismo exacerbado ibérico com uma alegria crioula que não se sabe de onde vem. O riso de uma negrinha é como um cachorrinho pulando louco de alegria no quintal. Ou de um indiozinho brincando com um macaquinho no ombro. Vem do fato de estar vivo. É uma ode à alegria esse riso escancarado e ás vezes sem razão que ilumina um rosto preto em uma constelação de dentes.
Esse é um segredo que você tem de levar sempre com você, e essa melancolia de navio apitando nas madrugadas de Santos. Guarde como um dinheiro cozido pela mãe no bolso interno das calças, quando o filho vai para a moderna e assustadora cidade grande. Vai ser impossível não chorar bestamente quando um saxofone soprar da maneira mais sentida, inesperadamente um Pixinguinha ou um Tom, Chovendo na Roseira, em alguma madrugada.
Disfarce, não mostre pros gringos que tem medo de água fria, não trouxeram dos índios esse gosto pelos banhos, e dos portugueses, o nosso sentimentalismo piegas e a sem-vergonhice. Mas se quiser dar a eles uma pálida idéia sempre há um Villa Lobos para cortar o ar com seu Trenzinho Caipira.
Agora a conversa está muito boa, compadre, mas tenho que voltar para a varanda para ler mais uns poemas que depois lhe mandarei junto com meu abraço saudoso.

2 comentários:

Lazlo Cseh :B disse...

all your pictures are so wonderful-- Do you take them with your own camera?

Anônimo disse...

My camera: Nikon D100.
Manny thanks.
Armando.